sábado, 14 de fevereiro de 2015

O arquiteto humanista, mas não o dono da história, segundo Umberto Eco.

Em 14/02/2015:

Para Umberto Eco, em seu livro "Estrutura ausente" (edição brasileira de 2007), o arquiteto é uma das últimas figuras do humanismo, por sua vocação interdisciplinar:

"(...) vê-se o arquiteto continuamente obrigado a ser algo diferente dele mesmo. Vê-se coagido a tornar-se sociólogo, político, antropólogo, semiólogo...(...) Obrigado a encontrar formas que enformem sistemas de exigências sobre as quais não tem poder, obrigado a articular uma linguagem, como a Arquitetura, que sempre deve dizer algo diferente de si mesma (o que não acontece com a língua verbal que, ao nível estético, pode falar sobre formas; nem com a pintura que, como pintura abstrata, pode pintar as suas leis; e muito menos com a música, que organiza sempre e unicamente relações sintáticas dentro do próprio sistema), o arquiteto está condenado, pela natureza do seu trabalho, a ser talvez a única e última figura de humanista da sociedade contemporânea: obrigado a pensar na totalidade justamente na medida em que se torna técnico setorial, especializado, interessado em operações específicas e não em declarações metafísicas" (ECO, 2007, p. 242-243).

Mas o autor alerta sobre o pretenso poder do arquiteto de mudar a história:

"Ora, ao contrário do sociólogo e do político - que trabalham para modificar o mundo, mas no âmbito de uma curva de tempo controlável - não cabe necessariamente ao arquiteto modificar sozinho o mundo; cumpre-lhe, porém, poder prever, para uma curva de tempo não controlável, o variar dos eventos em torno de sua obra" (ECO, 2007, p. 246). E conclui:

"No momento mesmo em que se busca, fora da Arquitetura, o código da Arquitetura, cumpre também ao arquiteto saber configurar suas formas significantes de modo que possam enfrentar outros códigos de leitura.   Porque a situação histórica em que se apóia para individuar o código é mais passageira do que as formas significantes por ele introduzidas nesse código.O arquiteto deve, por conseguinte, receber orientações do sociólogo, do fisiólogo, do político, do antropólogo, mas também deve prever, ao dispor formas que correspondam às exigências desses estudiosos, a falência das suas hipóteses e a cota de erro nas suas investigações. Cumpre-lhe, em todo o caso, saber que sua tarefa é antecipar e acolher, não promover, os movimentos da história"(ECO, 2007, p. 247).

Ver em especial: ECO, Umberto. Estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. São Paulo: Perspectiva, 2007.



Nenhum comentário:

Postar um comentário