O Brutalista
Em 04/03/2025
Em menos de seis meses, do final de 2024 ao começo de 2025, tivemos nos cinemas, o lançamento de dois filmes que tem como personagens principais, Arquitetos. Não sou nem de longe um estudioso do cinema, e por isso posso me dar ao direito de errar ao dizer que não me lembro de ver isso acontecer anteriormente (mas me lembro de no começo dos anos 1990, de ver três novelas da Globo, em horários consecutivos, com personagens Arquitetos em suas tramas principais). No final de 2024 tivemos o teatral "Megalópis", do consagrado diretor Francis Ford Coppola. Já agora, em março de 2025, o dramático filme do diretor Brady Corbet,"O Brutalista".
São filmes com abordagens muito distintas: em Megalópolis, Copolla literalmente desenha um personagem-Arquiteto como um ser quase que divino, de poderes de parar o tempo ao seu favor, para que sua genialidade se apresente. O Arquiteto-Deus-criador constrói uma Nova Roma sobre os escombros cataclísmicos de uma Nova Iorque decadente física e moralmente, num afã de ser a Arquitetura e o urbanismo associados a ela (disciplinas indissociáveis, ao bem da verdade, incluindo aí, o paisagismo), a salvadora moral e ética de algo que extrapola o próprio escopo de um Arquiteto. Tudo é teatralizado, das atuações à genialidade do Arquiteto que descobre um novo composto que munda o mundo e a vida, tendo a cidade e sua Arquitetura (a antiga decadente sobreposta pela nova, genial) como o mote do teatro da vida, e que tem na política (e nos nomes dos personagens de origem greco-romana) o enredo dramático por detrás dessa (re) construção urbana-moral-ética.
Em "O Brutalista", a megalomania de Brady Cobert está no tempo do filme: 3h 35m de duração, com um intervalo proposital de 15 minutos, para uma passada no banheiro (dependendo do cinema e do banheiro, quase não dá tempo). Ao contrário de Coppola, Cobert se atém aos dramas existenciais de um arquiteto profano, falho de caráter e filho de uma Era de Arquitetos-Heróis (Bom, não deixa de ser também aí um tanto teatral, a figura de um Arquiteto herói epónimo, aquele que funda - e protege - uma nova cidade). O personagem de László Toth, Arquiteto judeu de origem húngara magistralmente interpretado por Adrien Brody (Oscar 2025 de melhor ator), é no fundo, o amálgama de vários Arquitetos que imigraram ou existiram nos EUA, que nós, Arquitetos enquanto ainda estudantes ou interessados pela história da Arquitetura e do Urbanismo, identificamos rapidamente ou, ao longo do filme. Vi ali, de início uma referencia ao Arquiteto estoniano Louis Isadore Kahn, que teria, por sinal, aproximadamente, a mesma idade de Lászlo no filme, além de ser imigrante e judeu por origem. Ambos (o ficcional Lászlo e o real Khan) forma marcados em suas carreiras por suas grandes obras por volta da meia idade, e como mostra o filme e em correlação com a realidade tanto de Khan como de muitos Arquitetos, o momento mais profícuo de sua vida profissional. Para muitos, é na meia idade que o Arquiteto está maduro o suficiente para apresentar ao mundo suas ideias e defendê-las (o filme toca de certa forma nisso em uma passagem da primeira parte) e tendo a concordar com isso, pessoalmente. Diploma não faz ninguém um arquiteto, mas o tempo acumulado.
Vi ainda no personagem de Lászlo a figura do Arquiteto Frank Lloyd Wright, pelo drama de sua vida e sua personalidade um tanto difícil. Personalidade difícil faz parte de qualquer um ligado à criação artística. Defender o que cria é quase que condição sine qua non de um Arquiteto que pensa a Arquitetura além das quatro paredes, um teto e o piso. Para Khan Arquitetura era luz, para Wright era a expressão orgânica de um espaço, para Lászlo, poesia em concreto armado, um tanto Oscar Niemeyer, para puxar mais um exemplo. O Lászlo do filme é um Arquiteto Brutalista, antes mesmo dessa Arquitetura virar uma tendência Pós-modernista. Formado pela Bauhaus Dessau, como ele mesmo fala no filme, ele é de uma geração de Arquitetos Modernistas (a segunda, citando aqui Montaner) que reinterpretam a Arquitetura Moderna, ainda heróica dos pioneiros da primeira geração, mas que materializam as formas geométricas em um contexto histórico (às vezes ambiental em suas pré-existências, como foi a obra do italiano Ernesto Nathan Rogers, ou do brasileiro Paulo Mendes da Rocha - este já da terceira geração, segundo o mesmo Montaner).
Lászlo tem em sua Arquitetura Brutalista, uma arquitetura de transição do modernismo para o que foi denominada de Arquitetura Pós-Moderna (não é à toa a cena final....), um marco de um outro momento da história da Arquitetura, onde a história vivida e sofrida (no caso dele, um judeu sobrevivente do holocausto) faz parte das suas paredes maciças de concreto armado. Aqui volto a uma outra referencia, um pouco mais recente, a do Arquiteto polonês Daniel Libeskind, e seu Museu Judaico de Berlim (na hora que vi o projeto de Lászlo que marca o inicio de sua carreira americana - que já existia antes dos EUA - me veio a imagem do museu...).
O filme é uma ode ao Arquiteto criador, mas, profano, humano, falho e idealista. Contraditório como qualquer um que está em construção histórica. A vida é uma construção. É um acúmulo de histórias, que, de vez em quando, é expressa em Arquitetura.
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