quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Anchieta não é Bilbao


Em 14/11/2024:

Em matéria postada na página do jornal Folha Vitória, no dia de hoje, surge um futurologismo no mínimo, equivocado (se é que todo o futurologismo não o é!). Equiparar a cidade de Anchieta, localizada no litoral sul capixaba, com a cidade espanhola de Bilbao, com um "efeito" da segunda é um desserviço para a cidade e um serviço enorme para a especulação imobiliária, foco de interesse da matéria, visando o crescimento na região, por conta dos projetos que estão sendo executados, e os comparando, de forma muito enviesada, com o impacto que o projeto do Arquiteto americano Frank Gehry para o  Museu Guggenheim de Bilbao, teve sobre a cidade. Sobre isso, cito o que escrevi nos comentários da mesma matéria:

"Gostaria de esclarecer algumas coisas ditas nesta matéria: sou autor, como Arquiteto-Urbanista, de alguns dos novos projetos [públicos] que estão saindo em Anchieta, inclusive, da nova Orla de Ubu. Deixo claro que todas as intervenções urbanísticas feitas por mim para a cidade assim foram para o exclusivo usufruto de sua população, para seu lazer e o turismo responsável. Esses projetos, como de Ubu, não foram criados para a especulação imobiliária, e sim, para atender, primeiramente as demandas urbanas dos moradores de Ubu e, por consequência, ao bom atendimento aos turistas que chegam à cidade. Abomino veemente essa pecha de "efeito Bilbao", pois é feita fora de contexto, pois são histórias totalmente diferentes. Anchieta tem uma cultura histórica rica que transferimos para os projetos. Bilbao, era uma cidade falida dos finais do séc XX, que teve de se reinventar após a mudança global da produção industrial. E usou a arquitetura (de bom e mau gosto) para isso. Anchieta, pelo contrário, necessitava de melhorias em sua infraestrutura local, com foco em sua população. As escalas, problemas e contextos são totalmente diferentes, e fogem de apelidos com viés puramente mercadológico. A cidade não está à venda. Ela não é negócio e muito menos produto. Ela é uma construção histórica de seus moradores".

E citar Jaime Lerner como referencia, através de seu conceito de "acupuntura urbana" é ter total desconhecimento do que pregava o saudoso Arquiteto, ao conceber a reurbanização da cidade de Curitiba. O impacto dos projetos pontuais, que defendia Jaime, nunca era isolado de um contexto maior, de uma rede de intervenções que se ligavam por conceito e morfologia urbana. O Guggenheim de Bilbao foi concebido como um projeto isolado, um tipo de projeto, que criticamente sempre chamei de "elefante branco", o qual, em alguns casos específicos, pode vir a funcionar, como em Bilbao (em parte), mas não como algo a ser levado como modelo, pois o contexto urbano, social, econômico e cultural de Bilbao ( e de toda a Espanha, por sinal) é muito diferente, e não copiável. Bilbao e tantas outras cidades da Europa, Ásia e Oriente Médio, tomaram esse tipo de símbolo como forma de transformar seus espaço urbano em um espetáculo lucrativo, muito ao gosto do neoliberalismo que surgia acompanhada desse tipo de projeto, já nos finais da década de  70 e começo de 80, e avançou o séc. XXI a dentro, como política urbana (totalmente excludente, por sinal). A nossa eterna noção "vira-lata" de referencias chega a ser vergonhosa, nos dias atuais (mas, não estranha), considerando a riquíssima história que temos, ainda mais em Anchieta e sua origem dos finais do séc. XVI. Essa história, e de tantas outras cidades do Espírito Santo, são nossas fontes de referencia, e não algo do outro lado do Atlântico, desplugados de nossa realidade. Cidade não se constrói com opiniões, mas com fatos. Opinião sem contexto é especulação. E a isso, se resume e se define.  

 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Megalópolis


Em 06/11/2024:

Ontem fui assistir "Megalópolis - uma fábula", dirigido, roteirizado, financiado e distribuído pelo próprio Francis Ford Coppola. Não consegui dormir direito depois de ver o filme...custei à dormir porque eu trouxe ele comigo. Os bons filmes ficam com você por um bom tempo, como um bom livro, uma boa comida, um lugar...eles se incorporam à você, que é o primeiro passo para fazerem parte de suas memórias. É um filme denso, complexo, rápido na edição e ao mesmo tempo muito truncado em alguns momentos, beirando à estranheza.
Sou crítico de cinema ou um cinéfilo? Não! Sou só um arquiteto, e já que o personagem principal do filme é um arquiteto, por sinal, um "gênio da raça" pois além de desenhar com lápis e borracha seus sonhos-projetos também é inventor de um novo material que mudará o mundo e a humanidade, quase por mágica, o que, por fim, me dá o direito de ser aqui, um crítico, de cinema, pelo menos... A história se passa em uma Nova Iorque, centro hedonista de um Império que não é mais a América, e sim, uma outra Roma.
Nova Iorque agora é Nova Roma, as pessoas nascidas não tem mais nomes anglo-saxões e sim, latinos (Cesar, Glodio, Crassus, Julia...). Assim começam as hiper metáforas do filme - metáfora sobre metáfora, sobre metáfora -, o que te faz demorar a entender onde você está e o que quer o diretor. Ele quer muito, e você que se vire pra entender, com sua muita ou pouca erudição.
Essa Nova Roma-Iorque é disputada por dois homens de visões de mundo que se conflitam: o atual prefeito Cícero, pragmático e de visão racionalista sobre os problemas e meandros do poder da cidade e, Cesar Catilina, Arquiteto e Urbanista, o poderoso chefe da Autoridade do Design que tudo pode na cidade, inclusive implodir prédios, para dar lugar aos seus projetos-sonhos. Ambos tem o poder nas mãos para mudar a cidade e até o mundo, no caso de Catilina, com seu Prêmio Nobel pela descoberta desse novo material - o megalon, material sintético, quase vivo que se adapta aos desejos - e até corpos - de qualquer um. Ambos disputam o poder da cidade e dos sonhos - ou mentes - da população. Razão x emoção, loucura x afirmação. Uma ode ao cinema x crítica ao cinema. Tudo ao mesmo tempo. Tempo: "Artistas nunca perdem o controle do tempo", como diz o Arquiteto Cesar.
O filme de Coppola é tudo menos esquecível. Há ali, muito pano pra manga quanto aos porquês das decisões cinematográficas do diretor. Não é um filme para uma única sessão....com certeza, você terá que voltar mais vezes para averiguar se você entendeu realmente o que viu.